Quando se trata do direito sob o ponto de vista da disputa judicial (cuja distinção se encontra em outro artigo), já se trouxe uma opinião que, sem pretensão de esgotar o assunto na via acadêmica, especialmente com o advento do Código de Processo Civil de 2015 e a adoção de tecnologias como o processo eletrônico, o andamento processual hoje em dia é sobremodo mais célere que há algumas décadas.
Em que pese, quando visto de fora (e principalmente dependendo da posição do sujeito processual, se sucumbente ou não), o sistema recursal possa parecer complexo ou ainda permissivo à ideia de prolongar o feito, há nesse ponto dois aspectos que dão a tônica do presente texto.
O primeiro diz respeito à convicção igualmente já trabalhada no artigo direcionado acima, de que não se pode renunciar a certos institutos em prol da celeridade processual. O duplo grau jurisdicional, por exemplo, é princípio que parece se encaixar neste caso.
Todavia, e isto conduz ao segundo ponto, em que pese a celeridade processual não possa ser tida como um norte absoluto, é certo que a busca pela efetividade jurisdicional é construída exatamente a partir da contraposição destas ideias do que é irrenunciável, em que medida, e do que pode admitir relativização em atenção à busca de uma finalidade específica.
Com este argumento de fundo, quer parecer que a adoção de um mecanismo como o que pretende imprimir aos precedentes judiciais o papel de força obrigatória a todos os demais casos que discutam as mesmas bases, encontra uma justificativa plausível.
Pois bem, é este o ponto que chama o argumento deste artigo de opinião. Em que pese a adoção deste mecanismo de precedentes judiciais careça de uma investigação própria, cabe admitir que a figura do julgamento de recurso repetitivo é um instituto que logra, ao menos em nível de tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) à finalidade acima descrita: ao verificar a simultaneidade de questões similares envolvendo a mesma controvérsia de direito, é possível que um dos recursos seja julgado na profundidade e extensão cabíveis, sendo que a decisão dos Ministros erige um Tema.
O Tema terá a finalidade de fornecer a todos os julgadores que enfrentem questões como a julgada a necessária segurança para entender como o tribunal superior competente entende a aplicação do direito.
A dizer, é um ponto que, por opção unicamente metodológica, pode fazer incidir outra miríade de questionamentos: se é um sistema que se assemelha aos precedentes do direito estrangeiro, se é medida que sacrifica ou não aprofundada análise, dentre outros.
Porém, para o corte proposto, trabalha-se com a ideia de que em alguma medida (condicionada a alguns “se”), é o julgamento repetitivo um instituto que pode trazer benefícios às partes do processo, e à jurisdição como um todo, sendo especialmente interessante o se que condiciona a análise da validade do instituto à atualidade do entendimento traduzido no Tema.
Afinal, se de um lado o Tema, em lugar de simples orientação, por força do Código de Processo Civil, parece receber um lugar de discutível vinculação, é certo que se força a condicionar esse caráter vinculante a uma necessária distância do papel atribuído à lei. Não poderia ser diferente, haja vista que em um sistema, como o brasileiro, de tripartição de poderes, não é dado que o Poder Judiciário, na função própria de julgar, edite norma de caráter abstrato e genérico, papel do Poder Judiciário.
Assim, a primeira condicionante – possivelmente a única trabalhada nesta opinião – que se dá ao papel do Tema é a de substituir a norma, mas sim de indicar como se dá a aplicação uniformizada – finalidade da jurisprudência – daquela norma.
A distância do Tema, quanto a seu efeito, em relação à lei, conduz a uma constatação interessante, por sua vez: se é dado que o direito anda a reboque dos fatos, em uma máxima que cuida de admitir que com relação à previsão da lei escrita, que permanece no tempo, e a dinâmica dos fatos sociais, em constante modificação, é igualmente imperioso que se reconheça que a finalidade unificadora do direito, pelo julgado repetitivo – mas não só exclusivamente – também chama o intérprete a se posicionar criticamente quanto à adequação do Tema à luz dos fatos jurídicos e sociais.
Em miúdos: é forçoso que, mesmo que se admita com tranquilidade (o que não se espera nem do lado dos defensores, nem dos acusadores) a determinados pronunciamentos judiciais, conforme à sua origem e seu rito, um papel orientador ou vinculador de decisões que tratem do mesmo tema, o que não se pode admitir com tranquilidade é que uma vez editado um Tema, por exemplo, a solução da controvérsia idêntica seja sempre repetida como uma fórmula exata.
Este fatalismo condicionante implicaria efetivo engessamento, algo que a própria finalidade interpretativa do direito quer afastar.
Para o leitor que eventualmente estiver fatigado da leitura, ou mesmo tenha atribuído ao tema um senso de importância distinto do que pretende imprimir o autor, é dado que a conclusão seja então expressa desta forma: a possibilidade, legalmente prevista, de que o Poder Judiciário, na sua função própria, edite Temas, súmulas, enunciados ou demais nomes que se deem aos institutos unificadores, seja por orientação, seja por vinculação (visão mais adequada, desde que atendidas algumas condicionantes), não cria poder de editar norma geral e abstrata, da mesma forma que não exime o intérprete do Direito do necessário senso crítico quanto à contemporaneidade do entendimento à luz dos fatos e da própria compreensão jurídica do momento em que se impõe sua análise.
Afinal, se o direito de fato anda a reboque dos fatos, não interessa que o reboque paralise, sob pena de desnaturar sua função.
Se, todavia, a esta altura da leitura, o resiliente legente deste texto ainda não está convencido do quanto se opina, ou ainda, do quanto o debate importa no campo empírico, pode-se estender a conclusão em mais alguns suspiros.
Houve, recentemente à data de escrita deste texto, decisão do Superior Tribunal de Justiça que entendeu por bem cancelar o processo de elaboração de um entendimento repetitivo em matéria envolvendo direito tributário (execução fiscal) e empresarial (falência e recuperação judicial).
Sem a pretensão de partir para a explicação da matéria que permeia a decisão do Poder Judiciário – poupando assim um cansado leitor deste texto –, importa saber que o Tema Repetitivo nº. 987, que havia sido submetido à afetação em 14.02.2018, sendo então iniciado o procedimento para a obtenção de um julgamento de mérito que aplicar-se-ia a todos os casos similares em andamento (que inclusive automaticamente tornaram-se suspensos a partir desta data), foi cancelado em 28.06.2021.
Diferentemente do que ocorreu com outros Temas, como o relevante Tema nº. 566, o desfecho do julgamento não foi a edição de um entendimento que se pretenderia ver aplicado aos casos similares à questão de direito debatida no recurso.
Ao contrário, o cancelamento do Tema Repetitivo nº. 987 se deu exatamente porque posteriormente à sua afetação sobreveio alteração legislativa, em 2020, por meio da Lei nº. 14.112/2020, que alterou a Lei de Recuperação e Falência (nº. 11.101/2005), de modo que, ante à alteração introduzida, entendeu o Julgador Relator pela necessidade de que, em sentido a dar cumprimento à alteração legal introduzida, fosse ouvido o Juízo responsável pela Recuperação Judicial, no caso que fora separado para julgamento destacado.
A conclusão importante, então, que se extrai daí é que, corroborando o quanto se opina, ainda que por via de um exemplo diverso, os intérpretes envolvidos na questão ativeram-se à necessidade de atenção, na tarefa judicial, especialmente na uniformizadora, às alterações que podem ocorrer independentemente ao campo da aplicação do direito, mas com nítidos impactos nesta área.